“Síndrome da Gaiola”: o desafio do retorno às aulas presenciais
20 de julho de 2021
Toda mudança de hábito acarreta ajustes significativos na vida das pessoas, principalmente em questões emocionais. Mesmo os jovens, que possuem mais facilidade para se adaptarem a outros cenários, sofrem com as diferenças e necessitam de ajuda para encarar o novo. É o caso da pandemia, que transformou a rotina de estudos e trouxe mais um desafio com o retorno às aulas presenciais: a “Síndrome da Gaiola”.
Durante um ano e meio, a rotina escolar se dividiu entre o ensino presencial e híbrido. Enquanto de um lado há jovens que tiveram dificuldades em se adaptarem às aulas remotas e a perda de convivência escolar, no outro existe aqueles que se moldaram muito bem a nova realidade e hoje possuem receio de voltar a rotina presencial.
Tal apreensão em ter contato com o mundo exterior é chamada de Síndrome da Gaiola, fenômeno que, segundo o psicólogo da Unimed VTRP, Luis Fernando da Veiga, pode mascarar adoecimentos psicológicos ou provocar outros, se não assistido corretamente.
“A nomeação desse fenômeno dá-se em analogia as aves que crescem em cativeiros e quando a gaiola é aberta permanecem dentro do espaço que, até o momento, estava trancado” explica.
O psicólogo afirma que esse comportamento está relacionado a um conjunto de pensamentos, emoções e sentimentos os quais podem denunciar diferentes quadros clínicos como depressão e ansiedade. “Também pode ser mais uma resposta desadaptativa aos eventos estressores que os jovens foram expostos”.
Mudança de comportamento
A dificuldade de adaptação às aulas remotas e a perda de convivência escolar mexeram com o emocional de crianças e adolescentes. “As novas demandas e formatos de aprendizagem e socialização implicaram adaptações, reciclagens e ressignificações e devemos aproximar a nossa ótica para os silenciamentos”, salienta Veiga.
O grande desafio do momento, para os pais e comunidade escolar, é identificar o que são respostas esperadas em um cenário inesperado e quais são as alterações que servem como sinal de alerta.
“Mudanças ocorrerão e são legítimas, contudo, devemos atentar para alterações significativas de comportamentos que denunciam sofrimento. Nesses casos, deve-se acionar a rede de apoio familiar e clínica para assistir e/ou prevenir transtornos psiquiátricos”.
Por isso é importante que os pais (e educadores) conheçam e acompanhem de perto os filhos, afim de reconhecer a intensidade e frequência de sentimentos e comportamentos de cada um. E claro, é preciso que os adultos também cuidem da sua saúde para que assim possam proporcionar segurança aos pequenos.
“Toda essa movimentação ocorreu em meio às incertezas e medos e todas as pessoas a volta dos estudantes também vivenciaram muitas mudanças e acessaram as suas vulnerabilidades”, completa Veiga.
Então, como os jovens podem retornar as aulas presenciais?
O que fará a diferença nesse processo de adaptação a realidade às aulas presenciais é o olhar atento e a escuta sensível dos pais e educadores, em uma comunicação não agressiva e que assegure o acolhimento.
“Os adultos devem provocar o apego seguro, ou seja, fazer entender que o jovem tem direito a falar sobre as suas questões, clarificar os recursos de enfrentamento, encorajar com honestidade e respeito os seus sentimentos, assistindo os sinais e sintomas de sofrimento e sempre aproximando a relação entre a família e a escola”, sugere o psicólogo.
Já para as crianças e adolescentes o primeiro passo é entender que o medo é uma emoção comum ao ser humano e que está relacionada a autoproteção e autopreservação. Em seguida, é preciso assimilar os gatilhos temerosos e validar os pensamentos e aflições que os acompanham.
Para superar o medo de sair de casa, Veiga dá algumas dicas para os jovens:
- Comece com saídas mais curtas e em lugares com menos dispositivos estressores
- Siga os protocolos sanitários de cada local para se sentir mais seguro
- Utilize técnicas de respiração para auxiliar no gerenciamento da ansiedade
- Coloque pensamentos, ideias e preocupações no papel, isso ajudará a encontrar resoluções de forma mais fácil e visível
- Aposte no autoconhecimento
- Em caso de muito sofrimento, não tenha medo de acionar a rede de apoio
Outro movimento importante para conseguir conciliar a necessidade do isolamento e retorno gradativo a realidade presencial, de acordo com o psicólogo, é manter o autocuidado com momentos de lazer e relaxamento individual e com familiares, desconectando-se das redes sociais.
Realizar exercícios físicos é uma ótima pedida para melhorar o humor, o ciclo do sono, a atenção, a concentração, o raciocínio, o pensamento e a memória. “Reserve momentos para contatar amigos pela modalidade virtual, mas quando o encontro ocorrer presencialmente com os colegas, compartilhe as suas questões internas e entenda que cada pessoa está construindo a sua caminhada de retornos e com a sua própria bagagem pandêmica”.
Realidade virtual X presencial
Ainda que a tecnologia tenha desencadeado alguns desafios para as pessoas, é preciso destacar que ela também foi fundamental para a continuação da relação dos seres. Afinal, sem as redes sociais e o uso de ferramentas virtuais, boa parte da população estaria totalmente isolada e propensa a desencadear maiores problemas sociais e psicológicos.
O universo virtual é um lugar de encontro com regras, propósitos e políticas que podem democratizar alguns acessos. Além disso, é também um ambiente que privilegia o acesso a tarefas, assistências, conteúdos, entretenimento, fóruns e faz a palavra circular, escutar e ser ouvida.
“Passado um ano e meio de Pandemia entendemos ganhos importantes considerando o universo virtual como a ampliação e refinamento das tele consultas, dos grupos de apoio on-line, do trabalho Home Office e do ensino virtualizado”. Muito daquilo que criamos ou potencializamos veio para ficar e, considerando a necessidade de isolamento, os recursos on-line são canais de informação e pontes de socialização, validação e fortalecimento das redes de apoio, afirma Veiga.
A questão é saber utilizar a tecnologia de maneira correta e a nosso favor, afim de evitar que o uso demasiado de telas, seja em tempo de uso ou a qualidade do conteúdo consumido, implique em adoecimentos físicos e psíquicos.
“O contato presencial é um ambiente fértil para fortalecimento das vinculações, reconhecimento de si e do outro na construção identitária, treino de habilidades sociais e da comunicação assertiva em campo. O ser humano também se constrói como sujeito a partir do olhar e validação do outro, dessa maneira, as interações sociais são lubrificação existencial”.
Categoria: Filhos e Gestação