* Stephen Doral Stefani
Durante a palestra do médico oncologista e escritor Siddhartha Mukherjee, no Fronteiras do Pensamento realizado em Porto Alegre, uma pergunta que veio pelos meios digitais merece reflexão. Dois pacientes com câncer perguntaram o que eles podiam fazer para contribuir para avançarmos todos na direção de melhores resultados. Esse tipo de pergunta renova a esperança no sucesso dessa luta contra a doença. Pessoas que estão vivendo as dificuldades impostas pelo câncer ainda assim estão dispostas a colaborar com a coletividade. Nós precisamos da ciência, assim como a ciência precisa de cada um de nós. A resposta foi clara e objetiva: inclusão em protocolos de investigação científica.
Pacientes voluntariamente entram em estudos para receber o tratamento padrão ou receber o tratamento padrão acrescido de medicamentos novos, sem custo para o paciente ou para o sistema de saúde. Cabe, então, outra reflexão importante. A estimativa é que o país participe em menos de 2% dos estudos clínicos globais em câncer. Atualmente, pouco mais de 200 estudos clínicos estão abertos para recrutamento no país. Nos Estados Unidos são mais de 6300. Um dos motivos é o atraso nos trâmites que o país impõe para aprovação dos estudos. A cultura de inclusão de pacientes em protocolos é ainda distante da rotina.
Essa visão científica deve começar cedo. Em países desenvolvidos, já na escola, as crianças são estimuladas a trabalhar com métodos científicos. Aprendem a fazer experimentos metodologicamente corretos e identificar o que é ciência bem conduzida. Uma mostra científica escolar não pode se resumir, quando muito, a uma pesquisa na internet. Termos que parecem técnicos como “randomização” e “vieses metodológicos” não podem soar tão distantes dos professores e estudantes. Esses conceitos podem contribuir, inclusive, para que se aprenda a separar, nesses tempos de “fake news”, o que é efetivamente fato e o que é somente opinião. Precisamos fazer perguntas e, de forma correta, elaborar maneiras que conduzam as conclusões consistentes e, ainda, gerem novos questionamentos.
Uma agenda que envolva educação adequada e desburocratização da pesquisa científica pode ajudar a enfrentar a dura realidade epidemiológica que atinge tantas pessoas. Precisamos desafiar limites, sermos disruptivos e apresentarmos novas propostas para corrigir o rumo de um país que, assim como precisamos dele, também precisa muito de nós.
* Médico Stephen Doral Stefani, Coordenador Científico da Clínica de Oncologia Unimed
Artigo publicado na Zero Hora de 11/09/2018.
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